quarta-feira, 8 de julho de 2015

Falta de respeito ou falta de interpretação?

Reuters/Joao Castellano


Na parada LGBT, acontecida no último domingo, uma atriz transexual interpretou Jesus Cristo pregado em uma cruz em um dos trios elétricos que ajudavam na condução de milhões de pessoas pela avenida paulista em São Paulo. Logo em seguida, várias páginas e figuras cristãs católicas e evangélicas começaram a condenar a encenação como algo que feria o respeito à religião. O que essas pessoas não perceberam é a profunda contradição em que se meteram.

O ato de crucificar é diretamente ligado ao sentido de condenar. Nós, brasileiros, condenamos a população LGBT, em vários sentidos, por não seguir a risca um modelo de uma sociedade tradicional. Jesus, da mesma forma, foi condenado por esses motivos e foi morto. Ele andava com todos os tipos de pessoas porque era um ser extremamente ideológico. Tinha o perdão, o respeito e igualdade como princípios de vida. Mesmo assim, o povo e o estado da época o condenaram à morte porque era um subversivo e ia de encontro a determinadas normas daquele tempo.

O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Nós fazemos parte de uma sociedade que condena e extermina essa população. Nossos semelhantes. A moça na imagem é um ato simbólico. Uma metáfora. Ela é carregada de simbologia e tenta chocar para causar reflexão: é esse tipo de sociedade que a gente quer? Uma sociedade preconceituosa e assassina? Jesus, com absoluta certeza, não estaria de acordo com isso. Ele é amor, aceitação e perdão.

Nunca vi algo tão Cristão dialogando com a população LGBT como essa manifestação. Ela passa exatamente o que se espera de um cristão, respeito e amor ao próximo. A interpretação rápida e pouca profunda da imagem é sintomática. A parada que aconteceu ontem reuniu milhões de pessoas, que em sua grande maioria, com certeza, são cristãs católicas. Porque o uso de um símbolo cristão pode ficar restrito somente a determinados grupos?

Eu, seguidor também de Jesus Cristo, chamo isso de coerência, de simbologia cristã. Não achei nada de desrespeitoso, blasfêmia ou zuação, pelo contrário, achei cristão, reflexivo. Qual é o problema de uma atriz transexual interpretar Jesus, como personagem e símbolo dessa ideologia? Da mesma forma não interpretam Jesus em encenações ligadas diretamente ao catolicismo? Se a mensagem é a mesma, precisamos respeitar uma população que sofre e morre todos os dias por falta de amor ao próximo e respeito pelas diferenças, coisa que Jesus foi radicalmente a favor, ela tem total relação com a mensagem de Jesus que é também a mensagem do cristianismo.

De cristão a condenador não existe nada menos do que uma linha frágil.

Nenhum comentário: